Quando e como tirar uma funcionalidade do ar
Originalmente publicado no blog da PM3
Esse é o típico assunto que todos na área de Produto sabem que é necessário e, mesmo assim, falamos pouco sobre ele. Como consequência, nós fazemos isso poucas vezes também. É daí que surgem aqueles produtos complexos cheios de funcionalidades que ninguém usa.
Isso acontece porque é mais doloroso tirar uma funcionalidade do ar do que lançar algo novo.
Precisamos falar mais sobre como matar funcionalidades e como podemos tirá-las do ar de uma maneira que não machuque o negócio ou a relação com os clientes.
Fato curioso: os “gringos” gostam de chamar isso de “sunset”, pois é algo mais fofo do que falar “matar” ou “desligar” uma funcionalidade. Então se você ler em algum lugar “sunset de feature”, é a mesma coisa.
O que avaliar para saber se devo tirar a funcionalidade do ar
Os principais motivos para descontinuar uma funcionalidade são esses:
- Desalinhamento com a estratégia atual da empresa ou produto (exemplo: Uber encerrou o Uber Eats);
- Muitos bugs e difícil de dar manutenção, o que gera altos custos (exemplo: Twitter revendo a estratégia de dar selo azul para todos);
- Engaja apenas um nicho específico de usuários e não é o tipo de estratégia adotada (exemplo: feature de agendamento que mencionei em outro artigo sobre Easy Taxi);
- Resolvia um grande problema no passado mas hoje o engajamento é baixo;
- Redundância com novas funcionalidades que foram lançadas depois (o antigo programa de Rewards do Nubank que não fazia mais tanto sentido com o Ultravioleta e outras funcionalidades da empresa).
Uma boa prática para identificar se você tem uma funcionalidade com um ou mais atributos citados acima é começar respondendo algumas perguntas. Vou deixar abaixo algumas que gosto de responder antes de tomar a decisão:
Perguntas gerais
- A feature falhou? Por que?
- Qual o benefício de desativá-la?
- Redução de custo? Foco da equipe? Facilitar a UX para os usuários?
Perguntas referentes a Adoção
- Como está a adoção da feature? Por que ao olhar para as métricas a feature deveria ser removida?
- As pessoas usam a primeira vez e voltam pra usar novamente?
- Qual é o tamanho da base de usuários existente que usa a feature?
Perguntas referentes a Satisfação
- Qual é a satisfação da feature?
- Qual o esforço ao usar essa funcionalidade?
- Os usuários acham que ela é complexa? /
- Será que não vale refazer a UX ao invés de desligá-la? Tem potencial?
Perguntas referentes a Receita
- Quanto de receita essa feature gera diretamente? E indiretamente?
Perguntas adicionais para o B2B
- Se o uso é baixo em geral, mas um número não insignificante de clientes com ticket médio está usando: qual vai ser a abordagem para fazer essa mudança?
- Você tem algum grande cliente que pagará muito para ser a exceção à regra?
- Você pode, em vez disso, encerrar o desenvolvimento de novos recursos e apenas fazer correções de bugs?
No B2B é um pouco mais complexo
Mesmo depois de responder todas as perguntas e ter alguma clareza de que o melhor caminho é o desligamento da funcionalidade, pode ser que alguns clientes importantes a utilizem.
Imagine a seguinte situação: você tem um número significativo de clientes com ticket alto como parte do segmento que usam a funcionalidade em questão. Tomar uma decisão de tirar ela do ar pode não ser uma boa, especialmente quando seu produto atende diferentes segmentos.
Em casos como esses a decisão é ainda mais difícil e exige um alinhamento redobrado com toda a empresa, pois tais remoções de funcionalidades podem gerar um prejuízo. Em termos de comunicação isso precisa acontecer com muita antecedência — já vi empresas congelarem o desenvolvimento da feature que será descontinuada e avisarem por 6 meses (já vi até 12 meses para features maiores) que ela será descontinuada. E somente usuários antigos poderão enxergar ela. É uma alternativa interessante.
É extremamente importante você ter uma timeline clara para os seus clientes e internamente também. O Mixpanel fez isso muito bem com o produto “Messages & Experiments”. Veja a comunicação completa aqui.
Eu achei um excelente exemplo — na verdade uma aula — de como desligar uma funcionalidade. Eles deixaram claro que sabem que milhares de empresas criaram campanhas nessa feature e precisam de um tempo para mudar de ferramenta. Eles deram grande prazo até desligar, o que acalma a ansiedade e dá aos clientes oportunidades de ajuste e mitiga as chances de churn.
Além disso, você ainda pode sugerir produtos diferentes para os quais seus clientes podem migrar — ou até facilitar a migração desse caso de uso específico, se for possível fazer via API. Suavizar a migração para seus clientes é uma maneira de manter um bom relacionamento com eles e evitar churn — foi algo que o Mixpanel fez nesse case.
Outra oportunidade é cobrar um valor adicional para manter a funcionalidade — isso é ainda mais comum no B2B. Se você conseguir extrair um ROI bom, poderá ser possível alocar uma equipe para essas features mais robustas de clientes específicos. É o tipo de coisa que entra em vários planos “Enterprise” de produtos SaaS, por exemplo.

Outro fator que precisa ser levado em conta: manter a feature para esses clientes B2B que tem ticket alto vai gerar problemas de suporte ou atendimento? Se for, é possível alocar parte dessa receita para deixar a equipe mais robusta? Como pessoa de Produto você precisará pensar e alinhar todas essas pontas.
Como lidar com a comunicação interna e stakeholders
Você precisará ter um excelente racional para mostrar porque quer desligar a funcionalidade — e de preferência conectar com a estratégia da empresa. Normalmente você irá encontrar resistência de vários stakeholders — muitas vezes de outras áreas e que possuem uma força na empresa.
O importante aqui é ter um bom alinhamento com sua liderança, pares e até mapear os possíveis stakeholders que podem não concordar (uma matriz de stakeholder pode ajudar a estruturar esse plano de comunicação).
Outra dica importante é: dê um deadline para o desligamento da funcionalidade, mas já planeje dois adiamentos, pois imprevistos acontecem. Podem aparecer clientes ou stakeholders de última hora que querem segurar por mais um tempo.
O que fazer ao decidir que vai tirar a funcionalidade do ar? Esses passos podem ajudar:
- Primeiramente envolva alguém de Product Marketing para ajudar na comunicação (se for possível, é claro);
- Dê alternativas para que os usuários saibam o que podem usar, já que seu produto não dará mais suporte em relação àquela feature;
- Agradeça aos clientes pelo apoio;
- Forneça informações de contato para que eles possam tirar suas dúvidas.
Conclusão
Portanto, resumidamente:
- Identifique os motivos pelo qual você acha que deve tirar a funcionalidade do ar;
- Responda as perguntas chaves citadas acima;
- Veja se as métricas estão realmente ruins (adoção, retenção e satisfação);
- Coloque na balança os prós e contras;
- Alinhe muito bem com os stakeholders;
- Dê tempo para os seus clientes se organizarem e não deixe eles na mão. Ajude-os!
Esse artigo faz parte da série destes outros três artigos. Leia os outros:
- Medindo o sucesso das funcionalidades através da adoção
- Medir a satisfação de funcionalidades é diferente da satisfação de produtos
- Quando e como tirar uma funcionalidade do ar